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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Escola: Muito Prazer - Texto 3

A importância do brincar na infância
Avril Brock[1]
“É importante compreender a pedagogia do brincar, enquanto a reflexão, o debate e a pesquisa precisam ser contínuos para que se aproveite todo o seu potencial na aprendizagem das crianças”
O conceito de brincar é infinitamente flexível, oferecendo escolhas e permitindo liberdade de interpretação. Assim, o objetivo deste artigo é incentivar os leitores a examinar suas percepções acerca do brincar. A maioria dos profissionais que trabalham com a educação e o cuidado inicial de crianças pequenas ao redor do mundo normalmente concorda que brincar é importante para o desenvolvimento, a aprendizagem e o bem-estar delas. Mas será que aqueles trabalham com crianças mais velhas, as autoridades ou o público em geral compreendem que brincar para aprender e se desenvolver é essencial tanto para as crianças quanto para os adultos?
Pode haver crenças diferentes sobre o que encerra o conceito de brincar, dependendo da cultura, do papel profissional, do treinamento e das experiências prévias. O desafio oferecido ao leitor é, portanto, refletir sobre quais podem ser as semelhanças e diferenças entre as diversas perspectivas sobre o brincar, além de se envolver com esses diferentes debates. Alguns con­si­deram que o brincar é uma questão ligada ao desenvolvimento, e não à educação; outros que brincar é somente para crianças pequenas; ou que o brinquedo não deve ser contaminado pela interferência dos adultos, sendo livremente escolhido pelas próprias crianças; ou que divertir-se é o elemento-chave para definir o que é brincar.
Ao se reunir para escrever o primeiro capítulo de Brincadeiras: aprender para a vida (Brock et al., 2011), os três autores constataram que, apesar de pertencer aos diferentes campos da psicologia, da educação e do recreacionismo, eles concordavam que brincar é de importância crucial, e revelou-se que suas perspectivas eram muito mais semelhantes do que teriam imaginado.
Os profissionais devem ser capazes de justificar a oferta de atividades lúdicas a um público variado, incluindo autoridades, pais e até mesmo as próprias crianças. Na verdade, elas têm as opiniões mais fortes sobre o brincar. Uma pesquisa sobre a boa infância (2009), realizada no Reino Unido, reuniu informações de 1.200 crianças e 1.700 adultos. Elas declararam ser muito importante brincar com os amigos, pois adquirem um sentido de identidade e pertencimento ao compartilhar experiências brincando.
O art. 31 dos Direitos da Criança do Reino Unido afirma que todas as crianças têm o direito de relaxar e brincar e que pode haver sofrimento quando isso não é possível. O trabalho de Brown (2011) com crianças em orfanatos romenos fornece exemplos de como elas foram negligenciadas - não puderam socializar-se nem exercitar-se porque permaneceram amarradas a seus berços. Fez muita diferença para o desenvolvimento das crianças o fato de adultos e estudantes terem sido estimulados a brincar com elas. O conteúdo das brincadeiras pode variar de acordo com a cultura infantil, mas a essência do brincar mantém-se firme em todas as culturas para todas as crianças, inclusive as portadoras de deficiências.
Como avó de Oscar e James há pouco tempo, ambos atualmente com um ano de idade, estou impressionada com sua capacidade de brincar, que eu vi desenvolverem desde os três meses, quando dei a cada um deles uma "cesta do tesouro" (Doherty, 2011) que eu mesma tinha montado com todo o carinho. Colecionei objetos cotidianos para exploração multissensorial para que eles pudessem iniciar suas primeiras experiências de brincar. Por meio da observação, comecei a desenvolver meu conhecimento e minha compreensão sobre como os bebês brincam. Eu já havia lido, escrito e pesquisado com pais e educadores da primeira infância sobre bebês, mas desta vez eu estava tendo incríveis experiências em primeira mão. Com apenas um ano de idade, as crianças já são brincadores capazes - adoram seu mundo de pequenos bonecos, seus instrumentos musicais, carrinhos e caixas de brinquedo. Elas levam o brincar a sério, e é emocionante analisar sua aprendizagem e seu desenvolvimento.
Brincar ao ar livre figura enfaticamente nas lembranças das pessoas no Reino Unido. Talvez esta seja a época em que elas se sentiram mais livres, aventureiras, exploradoras e felizes com os amigos. Quando se perguntou a um grupo de adultos o que eles recordavam sobre seu brincar quando jovens, uma resposta comum referia-se às cavernas que construíam - debaixo das mesas, em um galinheiro, usando secadoras de roupa de madeira. Em um grupo pré-escolar Waldorf Rudolph Steiner, sete dessas sacadoras foram oferecidas a crianças de 2 a 6 anos, as quais elas usaram para recriar ambientes da vida real. As crianças decidiam por si mesmas os papéis que desempenhavam, selecionando recursos de uma coleção de tecidos, roupas e caixas de papelão, podendo refletir sobre suas experiências lúdicas para os adultos no ambiente.
Os profissionais de educação e assistência infantil do Reino Unido trabalham com uma pedagogia baseada no brincar, um conceito complexo e caracterizado por definições contemporâneas variadas. A pedagogia compreende princípios, teo­rias, percepções e desafios que informam e moldam a oferta de oportunidades de aprendizagem. Ao oferecer uma pedagogia baseada no brincar, os profissionais consideram os métodos, a organização, as atividades, os recursos e o apoio adulto em seu planejamento para que as crianças possam aprender, ao mesmo tempo considerando as suas necessidades de desenvolvimento.
Os adultos que trabalham e brincam com crianças têm, portanto, um papel importante na tomada de decisões sobre a didática apropriada e os ambientes para brincar. Eles precisam levar em conta as disposições e a autoestima das crianças, baseando-se em sua diversidade de legados e experiências culturais, reconhecendo que as crianças são aprendizes capazes e confiantes, assim como valorizando as novas experiências que elas trazem todos os dias.
É preciso oferecer um ambiente favorável, que proporcione tempo e materiais para que as crianças brinquem interativamente e desenvolvam sua competência social. Segundo Olusoga (2011), a teoria sociocultural apresenta o desenvolvimento e o brincar das crianças como processos fundamentalmente sociais, sendo essencial manter a identidade sociocultural pela oferta de brincadeiras às crianças. Nesse sentido, temos de salvaguardar o brincar das crianças, e o papel dos adultos é imprescindível no manejo e no apoio do brincar.
Os bons profissionais são peritos em aproveitar a inclinação das crianças para aprender, tanto seu apetite por novas experiências quanto sua inclinação para "brincar". Crianças pequenas não fazem distinção entre "brincar" e "trabalhar", e os profissionais devem tirar proveito disso. Eles precisam compreender o valor de brincar e colocá-lo em prática com as crianças, oferecendo-lhes ambientes ricos que promovam todos os tipos de brincadeiras - espontâneas, estruturadas, imaginativas e criativas - e que lhes permitam realizar seu potencial de desenvolvimento, de educação e de bem-estar.
O jeito "bagunceiro" de brincar é só isso (caótico, desorganizado e confuso), ou as crianças estão explorando de forma multissensorial os recursos naturais e desenvolvendo seu conhecimento científico e matemático enquanto brincam com areia, água, barro, argila e terra? Os resultados ou realizações alcançados por meio do brincar são importantes ou os processos envolvidos nas experiências lúdicas são mais benéficos? A experiência de brincar deve promover o raciocínio, a resolução de problemas e a exploração, envolvendo certamente prazer e divertimento.
Também é importante saber o que as crianças pensam enquanto brincam, não apenas de uma perspectiva do prazer, mas também dos conteúdos e justificativas do que fazem brincando. Bons profissionais oferecem uma plataforma de apoio para o aprendizado infantil e promovem sua metacognição - o próprio pensamento das crianças sobre suas experiências lúdicas.
As crianças precisam tanto do livre fluxo das brincadeiras de iniciativa própria quanto dos desafios das intervenções dos adultos. Um envolvimento adequado pode expandir seu modo de brincar, fazendo-as travar diálogos por meio de perguntas de sondagem e refletir sobre seu próprio aprendizado através do brincar. Tal processo desenvolve a compreensão de adultos e crianças, formando novos entendimentos.
Os profissionais devem, portanto, estar bem-informados sobre a pedagogia do brincar. Para o profissional contemporâneo, este é um processo de constante desenvolvimento, no qual ele se mantém atualizado com sua complexidade e natureza multidimensional. Uma reflexão crítica sobre a prática pode desenvolver mais o conhecimento e a compreensão do brincar. Manter-se a par das pesquisas contemporâneas ajuda a renovar ou mudar a prática daqueles que buscam oferecer atividades lúdicas de alta qualidade, que satisfaçam as necessidades e os interesses das crianças.
O pensamento crítico sobre a pedagogia do brincar promove a análise e o discurso, apoiando a busca por novos entendimentos e permitindo um envolvimento com diferentes perspectivas. A pesquisa sobre o brincar oferece desafios interessantes e novas abordagens metodológicas. Quando o conhecimento é compartilhado mundialmente, diferentes perspectivas tornam-se internacionais, disseminando a abundância de conhecimentos e práticas sobre o brincar. Isso também reconhece e dá crédito a sua complexidade, além de trazer inspiração aos profissionais. É importante e até emocionante ser capaz de explicar a aprendizagem que se dá pelo brincar.
Como é relevante haver uma compreensão ampla e profunda da pedagogia do brincar, a reflexão, o debate e a pesquisa a esse respeito precisam ser contínuos a fim de promover o entendimento do potencial do brincar e como ele pode ser aproveitado para a aprendizagem das crianças (Brock, 2011). O envolvimento com perspectivas teóricas variadas sobre o brincar promoverá uma compreensão crítica do brincar equilibrada com as experiências práticas e profissionais. Assim, os profissionais estarão aptos a participar do debate contemporâneo sobre a complexidade do brincar no fórum público. Um fator-chave é, então, a qualidade do conhecimento, do pensamento e da tomada de decisões do profissional. Ele deve ter flexibilidade para tomar as próprias decisões profissionais, examinar sua participação na construção das experiências lúdicas e contribuir para os desafios que estão sendo propostos.
Este artigo abordou algumas das complexidades que compreendem o que o brincar é e pode ser. À medida que as teorias são examinadas e um novo pensamento é oferecido, as demandas intensificam-se e um maior conhecimento profissional é necessário. Por esse motivo, os profissionais devem questionar e discutir as diversas perspectivas sobre o brincar, com vistas a estimular o próprio conhecimento. A pesquisa contemporânea durante a última década exige que educadores e autoridades reflitam criticamente sobre a prática e as teorias estabelecidas que sustentem seu provimento, já que o conhecimento e a compreensão a respeito da complexidade do brincar são imprescindíveis.
REFERÊNCIAS
BROCK, A. Três perspectivas sobre a brincadeira. In: BROCK, A. e cols. Brincadeiras: ensinar para a vida. Porto Alegre: Artmed, 2011.
BROWN, F. Playwork. In: BROCK, A. e cols. Brincadeiras: ensinar para a vida. Porto Alegre: Artmed, 2011.
CHILDREN'S Society (2009) The Good Childhood Inquiry. Disponível em: DOHERTY, J. A brincadeira para as crianças com necessidades especiais. In: BROCK, A. e cols. Brincadeiras: ensinar para a vida. Porto Alegre: Artmed, 2011.
OLUSOGA, Y. Nós não brincamos assim aqui: perspectivas sociais, culturais e de gênero sobre a brincadeira. In: BROCK, A. e cols. Brincadeiras: ensinar para a vida. Porto Alegre: Artmed, 2011.


[1] Avril Brock é a professora responsável pela disciplina de Educação da Infância na Leeds Metropolitan University (Reino Unido).A.Brock@leedsmet.ac.uk.
Artigo Revista Pátio Pedagógico- Educação Infantil- Ano IX - Nº 27 - Brincar e aprender - Abril a Junho 2011. Disponível em http://www.revistapatio.com.br/sumario_conteudo.aspx?id=318

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